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Os expoentes negros da moda

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Os expoentes negros da moda
Ernesto Xavier Ernesto Xavier

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Em um universo majoritariamente branco, estilistas negros quebram as barreiras do racismo para que suas criações cheguem às passarelas e vitrines do mundo.

Virgil Abloh revolucionou a moda. Ponto. O estilista criador da Off-White, nascido em Illinois (EUA), filho de pais ganeses, chamou a atenção da LVMH e foi contrato em 2018, se tornando o primeiro estilista e diretor criativo negro da Louis Vuitton.

Abloh estudou arquitetura e um de seus professores disse a ele que não o via em “nenhum contexto importante no futuro”. Talvez esse professor tenha se arrependido amargamente do que disse.

A desqualificação do talento de Virgil Abloh aconteceu ao longo de toda carreira, mas sua genialidade sempre superou qualquer preconceito, tornando-o um dos maiores ícones da moda, com suas referências aos anos 1990. Mas, infelizmente, sua vida foi interrompida precocemente por um câncer raro no coração, em novembro de 2021. 

Bastidores do desfile Primavera 2020 da Off-White | Foto: Acielle / Style du Monde

As barreiras para que estilistas negros alcancem as maiores marcas, passarelas, vitrines do mundo ou se destaquem com suas próprias marcas como fez Abloh com a Off-White, deixam para trás talentos que elevariam o nível das criações a outro patamar.

Isso acontece na moda, na medicina, na engenharia ou em qualquer setor fechado em seus núcleos de poder excludentes e racistas. E meu objetivo aqui é mostrar a trajetória daqueles que conseguiram subverter o sistema.

O ano era 2015 e, Viola Davis, uma das maiores atrizes de todos os tempos recebia seu primeiro Emmy por interpretar a advogada Annalise Keating em How To Get Away With Murder (disponível na Netflix).

Ela então fez um dos discursos mais fortes da história do prêmio: “A única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade”, disse Viola sendo aplaudida de pé por minutos seguidos.

Poderia ser algo óbvio se olhássemos as estatísticas (agora falo do Brasil) que mostram como pessoas negras (homens e mulheres) têm taxa de desemprego mais alta (17,27% em 2020), enquanto pessoas brancas algo bem menor (11,28%).

Isso sem contar as diferenças salariais para exercer a mesma função e a porcentagem irrisória de pessoas negras em cargos de liderança em grandes empresas. E é aí que está a “oportunidade” que Viola Davis ressaltou, alertando o mundo.

O heptacampeão de Fórmula 1, Lewis Hamilton, que tive o prazer de entrevistar em outubro de 2021, um mês antes havia chocado o universo da moda ao comprar uma mesa para que pudesse levar designers negros que não tinham espaço no Met Gala, um dos eventos de moda mais disputados.

Na ocasião, ele foi acompanhado de Theophilio, Kenneth Nicholson, que desenhou seu terno com renda usado no evento, e Jason Rembert. 

Lewis Hamilton, ao centro, com o atleta olímpico Miles Chamley-Watson, os estilistas Kenneth Nicholson e Law Roach, Kehlani, o stylist Jason Rembert, a atleta Sha’Carri Richardson, Theophilio, o estilista Edvin Thompson e o modelo Alton Mason no Met Gala 2021 | Foto: Mike Coppola/Getty Images

A iniciativa objetivava dar visibilidade a grandes talentos negros da moda norte-americana, que não encontravam espaço na haute couture. Deu certo. Não se falou em outro assunto que não fossem os talentos revelados por Hamilton.

As oportunidades criadas por celebridades negras do esporte, da música e artes cênicas vêm sendo um dos principais motores para o surgimento de novos talentos.

Em alguns momentos, são as próprias celebridades que se debruçam sobre as criações, como Rihanna, com a Fenty, Kanye West com a Yeezy da Adidas (a parceria encerrou no início deste ano) e P. Diddy, com a Sean John, lançada pelo rapper e estilista em 1998. 

Rihanna mostra sua linha de Fenty Beauty em 2019 | Foto: Julien Hekimian/Getty Images

Na França, tivemos o prodígio Olivier Rousteing assumindo a direção criativa da Balmain, em 2011, aos 24 anos. O estilista é adorado por celebridades como Cara Delevingne, o clã Khardashian, Neymar e Beyoncé, que disse: “Tudo o que Olivier tem feito como um designer negro ao quebrar barreiras e abrir portas é inspirador”.

Rousteing, que foi abandonado pela família biológica em um orfanato, foi adotado por uma família branca e rica, e apesar ter vivido em um universo luxuoso, construiu consciência racial, compreende o ambiente racista que percorre e usa seu poder de influência para colocar mais diversidade nas campanhas e ações publicitárias.

No Brasil, o país com maior população negra fora da África, sendo 56% da população autodeclarada, com uma história de quase 400 anos de escravidão, é de se imaginar que um ambiente ainda elitista e pouco diverso, como a moda, ainda seja predominantemente branca, e é.

Mesmo nesse contexto, vimos o surgimento do talento da estilista Isa Isaac Silva com suas criações recheadas de referências na cultura afro-brasileira, cores, corte agênero e muito axé. Não posso deixar de citar Wilson Ranieri, os irmãos Júnior Rocha e Céu Rocha da Meninos Rei, e meu amigo Léo Bronks.

Os irmãos Júnior Rocha e Céu Rocha da marca Meninos Rei | Foto: Site Uran Rodrigues

Os talentos negros da moda nos fazem perceber que existem diferentes referências na hora de se vestir. A roupa, historicamente, é uma expressão do ser humano e dos grupos sociais.

Se um grupo tão significativo da sociedade é excluído desse meio, significa que suas vozes estão caladas, seus pensamentos ignorados, seu modo de viver depreciado, sua beleza diminuída.

As oportunidades precisam surgir para os talentos negros. Lembre-se do que Viola disse.E com licença, pois a elegância negra vai desfilar.

Foto capa: Divulgação Balmain


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